terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Mariana

Nossa atualidade é parva e miraculosa. É tempo de conversar com um correspondente residente no outro lado do mundo; é tempo de preterir o tangível e real; é tempo das viagens interplanetárias e das subversivas descobertas científicas; é tempo de fazer as compras na calmaria do lar, através daquela caixa mágica; é tempo do superficial e do abstrato. Mas é tempo, acima de tudo, da falta de tempo. “O mundo está de pernas pro ar”, apregoaria minha mãe.

O ser humano atual é uma criatura tão ignóbil quanto portentosa. Aliás, não somente o atual. Ele sempre foi assim, desde os tempos primitivos. O homem sempre tende a evoluir. É certo que todos eles não foram destinados a tal incumbência, mas aquele iluminado que foi designado a tal bravura, leva a espécie consigo. Eleva-a de patamar. É um líder nato.

Translado em minhas indagações... Será que haverá um ponto no qual nos satisfaremos na condição vigente? Acredito que não. Somos piamente insatisfeitos. E aí consiste nosso erro vesuviano. A linha entre irresignação e insatisfação é muito tênue. Costumamos ultrapassá-la, superestimando o inalcançado em detrimento daquilo que nos circunda.

Em meio a estas reflexões, surge a imagem da pessoa do século XXI. Todo mundo é egocêntrico, egoísta, incompreensivo, arrogante, desleal e como diria Renato Russo, nem os anjos tem ao certo a medida da maldade.

De fato, estes “valores” estão em alta. São populares. Os bons princípios decaíram e rumam ao desuso. Só que, obstante a tudo isso, eu conheço insólitas pessoas como a Mariana. Ela conflagra uma luz descortinadora: Por mais que pensemos generalizadamente, sempre haverá os bons exemplos, as boas e exemplares condutas. Tendemos a empregar o “todo mundo”, o que é a maior das parvoíces. Nem todos são egocêntricos, maus e arrogantes. Existe, sim, aquele tipo de pessoa simples, que fornece um sorriso isento de segundas intenções; que permanece nos bons costumes para crescer, a despeito das dificuldades; que perpassa um olhar ilibador; que vivencia e proclama a simplicidade em toda ação. Esse é o tipo de pessoa que me faz enxergar o homem com esperança. É a espécime que me faz acreditar na espécie. Portanto, abra seus olhos. Despoje-se dessa mania de generalizar derrotivamente, caso você a possua. Por mais minoritária que seja, a parcela dos bons sempre prevalecerá, levando-nos à frente.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Esboço sobre Revolução Francesa

A Revolução Francesa é um marco em nossa História, não à toa designa o início do período contemporâneo. Foi o trampolim propulsor para chegarmos à sociedade atual, em todos os âmbitos. Seja ele político, social, cultural ou econômico. No entanto, e econômico é que merece mais ênfase depois do cultural para que entendamos as razões pelas quais houve esse descontentamento, pois toda revolução tem em sua base inconformidade com o tangível e atual. A maior causa foi econômica, pois as razões sociais geralmente não são suficientes de fazê-lo de forma isolada. Durante o período, rapidamente o capitalismo ganhava terreno, ia superando por completo o feudalismo; este modelo tão obsoleto oriundo das profundezas da Idade Média. Nos anos subseqüentes o arquétipo capitalista evoluiu juntamente com a população, tornando-se aceito e adaptado às suas exigências.

Bem, foi supracitada a palavra “exigências”.

Como assim?

Há alguns anos ninguém era capaz de exigir bulhufas. Pois toda exigência de mudança é contestadora, e toda contestação tem uma base inquisitiva e racional. Outrora não havia esse suporte. A Revolução Francesa se tornou viável através do racionalismo que era injetado aos poucos na população, pelos iluministas. Sua intenção era valorizar a razão. Parafraseando Kant, o intento era extirpar a tutelagem que o homem se auto-impôs. O lema era liberdade, fraternidade e igualdade. Estes valores se encaixam perfeitamente com as idéias burguesas e com os ideais da Revolução. Curioso, não?

O Iluminismo foi uma reedição mais completa e focada do Renascimento. Onde a razão era superestimada e vista como o único meio para o crescimento da humanidade, além de ser o único meio de empreender instituições mais justas e funcionais. A população assimilou sua filosofia. É preciso que haja a percepção de que todos os fatos históricos e épicos, capazes mudar os rumos da civilização e nortear novos horizontes, não advêm ao acaso, de forma instantânea. São erigidos aos poucos, evolutivamente. Percebe-se isso quando se estuda Reforma Religiosa, Renascimento, Iluminismo, e por fim, Revolução Francesa: a maior conseqüência dos três primeiros. Ouso afirmar.

Estas foram rápidas e displicentes pinceladas. O tema, para ser bem dissertado e debatido, merece horas a fio de dedicação... Mesmo assim, com essas escassas palavras, uma revelação já se faz presente, tenho certeza. O que a História é capaz de nos desvendar! É através dela que entendemos nosso presente, pois o atual é apenas uma conseqüência do que já foi vivenciado.

Quer conhecer teu passado, presente e ter “previsões” mais precisas sobre teu futuro? Debruça-te sobre os enveredados e fascinantes livros de História.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Epifania de Pedro

Foi um dia bonito, ele diria. Sabia reconhecer a beleza das cores à sua volta. A manhã começou anuviada. Ele ouvia o zunido trepidante do vento quando acordou. Sentia, sim, um gostinho enjoativo de normalidade. Tomou seu habitual desjejum, com seu prestimoso café. Leu o jornal com seu ar altivo de beletrismo. Receberia a doce visita do amor de sua vida se não estivesse absorto. Por descuido não havia atendido a ligação.

Isso fez toda a diferença.

Era um sábado regado a descompromisso e liberdade, independência nas escolhas. Algo que todo homem se apraz em sentir. Aliás, é nesse tipo de momento que pode-se conhecer um homem. Em sua liberdade, em sua desobrigação de encenar um personagem; quando os gostos sinceros rumam os caminhos e as veleidades são realizadas sem pudor.

Pedro sempre foi um espécime exemplar: garboso nas atitudes, bem sucedido em qualquer aventura, romântico, amante das belas artes, razoavelmente inteligente e com uma contumaz ojeriza por todo tipo de obviedade. Simplesmente detestava o modo automático como algumas situações ocorriam no cotidiano. Pra ele essa forma de viver oblitera o sentido das coisas. É preciso reinventá-las. Reinventar-se. Diariamente. Abstinência de criatividade constituía seu umbral.

Pedro decidiu emergir do mar de marasmo de sua casa. Era um belo crepúsculo. A tarde veio acompanhada de um exuberante sol, mais dourado do que costumava ver. Caminhou solitariamente durante vários minutos, com o som de Welcome To Wherever You Are (Bem-vindo onde quer que você esteja) em seus ouvidos. A boa música não se ouve; sente-se. Pedro comprovou isso na prática. Via o mundo de forma diferente. As esquinas que conhecia como a palma de sua mão ganharam novos contornos e detalhes inexplorados. Percebeu a grandeza da vida. O poder da criação. A beleza que em tudo há. Apesar de suas qualidades aos olhos alheios, não conhecia plenitude. Sentia-se lacunoso. Percebeu o quanto o ser humano é mesquinho e frívolo. Mas notou, outrossim, que isso não passa de sua natureza. A noite caia valorizando as luzes, formando um belo trilho de postes de luz. Pedro fechou os olhos, sentindo algumas gotas tímidas de chuva, e indagou aos céus o porquê de suas dúvidas, seus anseios, receios e dissidências. Quando abriu os olhos a luz do poste acima de sua cabeça vacilou tremeluzindo, até que – de repente – se extinguiu por completo. Naquele momento ele reconheceu o efeito de suas preces, o efeito da pujança de quem crê.

Todo dia antes de dormir, Pedro pratica sua fé. Formula suas orações. Senti o poder de uma energia maior. Capaz de pô-lo num patamar superior e fazê-lo crer em sua divindade, a despeito das imperfeições e do excesso de humanidade em suas veias. Depois de ter chego a sua casa, qualquer palavra mais afetiva desencadeava um amarfanhado de lembranças e sentimentos. Lágrimas vinham à tona com uma facilidade exacerbada.

Como pode alguém tão completo, repleto de dádivas e sucessos, possuir vazios internos? Como pode alguém que dá o melhor encontrar o desamparo? Como pode?

Pedro compreendeu-se ambivalente; razão e emoção iam se conflagrando. Mais uma peripécia de epifania. Deus se pronunciava através da beleza melancólica daquela noite... Teve a certeza de ter ouvido Seus cochichos mesclados com a melíflua música supracitada.

A vida não te dá todas as respostas. Ela te chicoteia através das dúvidas. E não é feio admiti-las, só as possuiu quem ousa pensar e se atreve a não ignorá-las. Só podem ser atenuadas com a impermanente convicção oriunda dos sentimentos verdadeiros. Aqueles que vêm lá do fundo da alma e, pela sua força aterradora, não se permitem estar errados. Não é fácil quando o melhor não é o bastante, mas a chance de ir além deve ser valorizada, abraçada. As coisas boas merecem sobrepujar as ruins, por mais latejantes que as últimas estejam. Em reveses dolorosos e situações intricadas deve haver a percepção de que a chance de viver que nos foi concebida precisa ser cuidada, e por si só já é o maior motivo para ir adiante. Perseverar.

Pedro acordou rejuvenescido no dia seguinte, decidiu abnegar-se aos seus sonhos e aos seus amores. Jamais deixaria de atender ao telefone. E jamais deixaria de atender seu coração. Encontrou, aí, o melhor modo de atender à vida, enfim.