Acordei num voraz sobressalto. Relembrei tudo que aconteceu. Havia sido um dia memorável, feérico. Inacreditavelmente lindo. Então, um baque estrondoso fez tudo chacoalhar. O mundo parou pra mim, eu juro. Não era capaz de distinguir sonho de realidade. Acordei sem saber se vivi ou se sonhei. Em um dia pus em prática planos que eu acreditava ser incapaz de conceber. Mas... será que de fato o fiz?
Um profundo torpor apoderava-se do meu corpo. Sentia uma estonteante alucinação, o suor escorria-me pela face. E então, de imediato, percebi a influência que um livro pode impingir. Veio à minha cabeça um trecho do livro do Dostoievsky que lia na praia, num fluxo ininterrupto e indefectível de memória:
“Num estado doentio os sonhos costumam se distinguir pelo seu extraordinário colorido e clareza e pela estranha semelhança com a realidade. Apresentam-nos às vezes um quadro maravilhoso: o cenário e todo o processo de representação são ao mesmo tempo tão verossímeis e com pormenores tão exatos e inesperados (...). Esses sonhos, sonhos doentios, ficam gravados na memória por muito tempo e produzem uma forte impressão no organismo alterado e enfraquecido do homem.”
Minha consciência abriu as cortinas. Desanuviou minhas doçuras oníricas e então eu vi tudo com clareza.
Foi um sonho. Sim, um sonho. Nada mais... Tão somente visões do que eu poderia ter transformado meu dia. Lembrei de ter contemplado a bela mulher na barraquinha de churros e recordei, também, da minha inoperância. A sua camiseta estava grifada com o nome Manoela às costas. Revi, como se fosse um filme, o meu passado recente. Há algumas horas eu sentava num banco no calçadão e assistia, sozinho, a um chato jogo de futebol entre brasileiros e argentinos, de placar zerado porque ninguém teve estrela. Porque ninguém ousou. Porque ninguém foi capaz de protagonizar. Não fui obrigado a me ater a essa esfera de coadjuvação... exercendo papel de mero expectador. Foi porque eu quis. Convidaram-me, de fato, mas eu recusei dando uma desculpa esfarrapada.
Flutuei para a minha realidade de inoperância. Antes de eu voltar a dormir e ter mais sonhos de como poderia ter sido, eu ruminei: Será que se eu tivesse simplesmente agido instintivamente, as coisas não teriam acontecido? Será que se eu pusesse uma pequena, mas certeira dose de atitude, num ato aparentemente desimportante e incapaz de definir uma subsequência de fatos relevantes, o sonho ganharia contornos reais?
Eu temo pela resposta positiva, pois sei, no fundo, que ela é a verdadeira. Tanta coisa poderia ser diferente, se fôssemos ousados para despender um ato de coragem. Um ato que, à primeira vista, parece pequeno e sem significância, mas que atua como propulsor e é capaz de definir rumos, caminhos e futuros.
Já que eu tenho a capacidade de produzir um sonho, talvez eu também possua a envergadura para levá-lo à realidade... Caso contrário, que sentido teria?
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