sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O Dia Dos Meus Sonhos - Parte IV

Para minha mais profunda perplexidade, o mesmo homem baixo, carrancudo, de fisionomia parruda, apesar da pouca estatura, convidou-me:
- Cara, não quer jogar com a gente? Está faltando um no nosso time, nem te preocupa em jogar bem, é só pra completar a vaga...
- Ah, valeu... Mas eu estou aqui com a minha namorada e não vou...
- Pode ir, sim, Gio! – Interrompeu Manoela. – Eu não me importo, eu adoraria ver-te jogar, quero ver se você comprova na prática o que teorizou...
- É, mas eu...
- ELE ACEITOU, JÁ ESTÁ VINDO! – Bradou o homenzinho. E eu sendo interrompido pela segunda vez, nada pude fazer. Senão ir. Não tinha o que temer, não é mesmo? Afinal, quem é rei não perde a majestade.

Quando ingressei na cancha então vi com clareza o motivo pelo qual o homem tinha tanta urgência na minha presença: era Brasil x Argentina! Por várias vezes ouvi o som enrolado e fatigante do espanhol argentino naquela praia catarinense, mas não esperava por essa.
Definitivamente, não esperava.
Decidiram que eu jogaria na lateral direita, já que o lateral esquerdo argentino era fraco, sem preparo. E assim, eu não prejudicaria o time. Afinal, julgavam-nos equivalentes. Mas estavam errados: Eu era melhor. Aliás, muito melhor. Ainda mais que a única mulher que eu beijei na vida integrava a torcida.
Finalmente, depois dos minutos de espera sem sucesso pelo Carlão, começou o jogo. Foram duas metades com trinta minutos cada. Ao fim da primeira metade eu já estava exaurido, mas continuei jogando, até porque, não tinha outra escolha. O jogo todo foi parelho, o clima inicial era amistoso... mas em se tratando de Brasil x Argentina, esse clima não dura muito. Houveram insólitas cotoveladas e botinadas maldosas. Inclusive em mim. Isso me deixou exasperado, aquele cabeludinho canhoto não sabia com quem estava lidando... Apesar de tímido, eu sou irritadiço.
Eram chutes por cima da rede pra lá, chutes por cima da rede pra cá e nada. O placar mantinha-se inalterado. E eu discreto. Discretíssimo. Apenas dando bons passes e tentando algumas investidas sem sucesso ao ataque. Até que, nos minutos derradeiros no jogo, levei outra cotovelada. Desta vez eu revidaria! Era questão de honra, afinal, a Manu me assistia. Dei o troco! Mas de uma forma melhor, mais inteligente... Atirei-me no chão e pedi falta, deferida pelo juizinho gorducho.
- Eu bato! – Bradei, tirando ousadia de um compartimento que eu realmente não conhecia.
O mais marrento do nosso time, que eu olvidei o nome franziu o cenho, e de cara amarrada virou de costas. Talvez ele estivesse certo...
Eu não tinha o direito ao erro, era a chance derradeira e decisiva. Então, distanciei-me, enchi os pulmões de ar, dei uma leve olhadela para a Manu, que estava apreensiva, expectante, fechei os olhos e... GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL!!! Chutei como nunca! A bola fez uma curvinha ao lado esquerdo da barreira antes de entrar, fuzilante, no ângulo. Os brasileiros, em maior número, exultavam em gritos e palmas. Lembro de ter visto um brilho orgulhoso no olhar da Manu. Então fui até a rede, e beijei-a, para êxtase de todos ali presentes. Vieram todos me parabenizar e comemorar comigo os louros da vitória. Convidaram-me até pra comer um churrasco gaúcho em um fidalgo restaurante do centro camboriuense. Eu recusei, é claro, como bom anti-social.
Mas a noite me reservava um desfecho surpreendente... Uma revelação tão lacerante e decisiva que poria em cheque todas as minhas relevantes conquistas naquele dia tão inacreditavelmente fantástico. Jamais previ que um desenlace do tipo teria tanta influência na minha vida, nem tampouco que ele estaria tatuado, perenemente, na minha memória.

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