segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Paradise City

Minha mãe fala que é preciso perder para dar valor. Eu digo que tudo depende. Há os que imaginam. A vida é repleta de relatividades. Eu, por exemplo, sou um espécime idealista, crente nos romances da vida. Crente nas coisas paradisíacas. Há os que me vêem como puro bitolado, por considerar a ótica pragmática mais plausível. Quem está com a razão? Os dois. Ou talvez nenhum. Pra mim pode ser que sim. Pra você pode ser que não.

O fato, ou o meu fato, é que eu encontrei a Paradise City, como costumo ouvir Axl Rose cantando entusiasmado, onde a grama é verde e as meninas são lindas. O único reparo na letra da melodia seria trocar “grama” por “mar”. Aliás, tem dias que o considero verde, e tem dias que o vejo azul-topázio. Às vezes me sinto seguro de que o dia é mais bonito, mas quando a noite entrona sempre a considero mais atraente. E vice-versa. Belo sintoma. A mania de achar melhor tudo o que já não está mais presente, não é a mais adequada. A luz natural da Lua e das estrelas mescladas com a luz artificial do homem, forma um conjunto absolutamente deslumbrante. Assim poderia ser em relação a tudo, não somente em relação à luz: homem e natureza harmonizando suas obras primas, respeitosamente, de forma entrelaçada.

Comburiú é charmosa na essência. Eis uma qualidade imprescindível a tudo que almeja ser querido e apreciado: charme. Pessoas sem charme são tão soturnas. Tão niveladas. As lojas são opulentas de brilho, glamour e bom gosto. As pessoas, ou a maioria, bem educada. Mas sempre existem os adventícios argentinos em Camboriú. E odeiam ouvir que Pelé és mejor que Maradona. Talvez por ser verdade.

Pela manhã, quando disposto, passeio pela praia, sentindo o furor vespertino das ondas. Toco a água salobra com os pés, contemplando o belo contraste formado pelo futurismo dos edifícios e pela a placidez esplendorosa dos morros. Aliás, eles parecem ser plasmados pela água marinha, tão bem encaixados quanto um quebra-cabeça. À tarde, evidentemente, usufruo da praia. Como todos. Faz bem. Rejuvenesce. Estar em contato com a natureza torna redivivo o mais moribundo dos homens. Ouvir risadas descompromissadas e não ter a obrigação de cuidar disciplinadamente o relógio é libertador. À noite, quando o charme se faz ainda mais presente, curtir a influência da Lua sobre o ardor do mar e andar pelos enveredados shoppings, são excelentes pedidas.

Sim, eu estou no paraíso. Não preciso estar distante daqui para valorizar. Não necessito, também, estar sozinho para notar a invalidez de tudo se assim eu estivesse. Estaria insulado como a bela ilha existente no meio da praia: descompassada, carente, infeliz em meio toda a robusteza daquele mar que a cerca. Seria com uma pessoa que recentemente perdeu a visão na exposição dos quadros do seu pintor favorito.

Vida é coletivo. Calor, luz, cor. Sem alguém com quem compartilhar, afirmo, tudo perde o valor. Mesmo uma cidade paraíso.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Omissão

Enquanto eu viajava rumo às belezas monumentais e naturais da catarinense Camboriú, avistava ao longe os belíssimos morros esmeraldas que acompanham todo o trajeto. Neles, invariavelmente, havia pontos coloridos destacando-se em meio ao mar de verde... Minha memória recorreu, de imediato, às calamidades cariocas de pouco tempo atrás. Simultaneamente a isso, a Natureza fez o que costuma: suscitou uma percepção até então inexplorada...

A maioria dos semelhantes que conheço, tem a aviltante mania de omitir-se da responsabilidade; prefere ficar à espreita, fora de foco, apenas como um mero complemento da paisagem, sem a menor presunção em chamar para si o pedestal e protagonizar nos palcos da vida. No fundo, elas até aspiram a isso, mas aos poucos vão deixando impregnar a tépida indiferença em si, já que ela está tão abrangente na maioria dos cantos.

Tenho dó de São Pedro. É ele quem tem a árdua incumbência de saciar a sede. Sua missão é bem mais tortuosa do que servir um simples copo d’água. Carrega nos ombros o dever de não permitir que toda a terra – e todos que nela habitam – sucumbam. Fornece e distribui a água; este bem tão precioso quanto depreciado. Sempre exerceu seu trabalho de forma absolutamente primaz, mas eis que cintila o maior coadjuvante, exercendo papel contundente: o homem.

O tempo foi passando e as interveniências no ofício, digamos, regador de São Pedro, concomitantes com sua já avançada idade, foram dificultando-lhe a ótica. Está quase míope. E, tristemente, não pode se dar ao luxo de equipar-se com um miraculoso óculos celeste. Lá ainda não se produzem estes equipamentos.

O resultado está evidenciado pelos meios de comunicação. Como um idoso desprovido de óculos erra o copo ao se servir, São Pedro “já” não desempenha sua função com a mesma indefectível destreza. Não irriga de forma equilibrada. Esse é o motivo das chuvas torrenciais no Rio e da tórrida estiagem em Bagé, no interior gaúcho.

Diante das enxurradas de vituperações à facínora água, obrigo-me a enfatizar um fato tão verdadeiro quanto encoberto: a chuva NÃO é assassina e NÃO tem culpa pelos desastres, como ouço insinuações nos meios comunicativos. Temos uma natural inclinação a nos desvencilharmos da culpa... Mas neste caso, seria o mesmo que considerar culpada a janela pela paisagem que vislumbramos.

Deveríamos corar a tez mediante toda nossa apatia. Dificultamos o trabalho de São Pedro, não nos precavemos e ainda isentamo-nos de culpa, jogando-a, a queima roupa, na coitada da Natureza. O trecho destacado em negrito no primeiro parágrafo é o que mais ouvi, talvez com outras palavras, mas que rumam ao mesmo lugar. Omissão, omissão... No entanto, não me surpreende. É com o que estamos acostumados a lidar.

Há o tipo de pessoa que quando erra, nega; e o tipo insólito que, depois do erro, bate no peito, assume de queixo erguido sua falha e arca com suas responsabilidades. Esse tipo de gente eu respeito. Esse tipo deveria ser a maioria.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Dez Em Um

O homem brasileiro é oriundo de uma vasta miscigenação de raças, erigindo um dos povos – ouso afirmar – de maior variabilidade cultural do mundo. Isto está estampado de forma ostensiva na gente daqui. Ivete Sangalo expressa muito bem esta realidade: “Tem gente de toda cor; tem raça de toda fé; guitarras de rock and roll; batuques de Candomblé.”

A primeira raça agregadora à cultura brasileira evidentemente foi a indígena, o povo que aqui habitava quando chegaram os déspotas ibéricos. Estima-se que eram aproximadamente 6 milhões em solo tupiniquim, atualmente são 300 mil. Eis uma indagação que me abisma: Como o homem pode ser tão pequeno a ponto de quase extinguir seus semelhantes? Os “selvagens” indígenas contribuíram com sua cultura diferenciada na construção do homem brasileiro. Legado, este, não compreendido por aquele que só consegue reconhecer o que engloba a si mesmo, e com muito garbo intitula-se civilizado. Quando me ponho a refletir sobre este assunto, imediatamente percebo quanto conhecimento nos foi sonegado. Como era a Idade Média no Brasil? Quem eram os heróis do povo que aqui vivia? Como era a organização social, política e econômica? Para todas essas perguntas, recebo em troca respostas vagas, lacunosas... incapazes de explicar com profundidade e exatidão minhas curiosidades.

A segunda raça formadora a chegar aqui – depois dos ibéricos – foi o negro. Sofreram uma migração involuntária, chegaram aqui como moeda não-metálica e eram escravizados, assim como nativos. Trouxeram consigo o Candomblé e sua cultura.

Vieram posteriormente vários outros imigrantes europeus e asiáticos. Os italianos e alemães principalmente, contribuíram na industrialização, ora na transformação dos antigos núcleos em cidades, ora com sua presença em atividades urbanas de comércio ou de serviços. Especialmente em São Paulo, é grande a influência italiana na arquitetura. A eles também se deve uma herança na culinária e nos costumes, estes trazidos pelos segmentos religioso, musical e recreativo. Os alemães e poloneses contribuíram na indústria com várias atividades e, na agricultura, trouxeram o cultivo do centeio e da alfafa.

Os nipônicos trouxeram a soja, bem como a cultura e o uso de legumes e verduras.

Os franceses influíram nas artes, literatura, educação e nos costumes sócias.

Nota-se, então, uma opulência nas diferenças no povo brasileiro. Eis a beleza e o fato que dá graça à vida: as diferenças. São elas que dinamizam e fazem as nossas experiências valerem a pena. Por mais que elas sejam mal interpretadas e não aproveitadas ao máximo, constituem o nosso diferencial. Nós, brasileiros, somos vários em um só. Somos o que há de melhor. É preciso acreditar nessa verdade, desenvolvê-la e, acima de tudo, pô-la em prática.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Via Unilateral

Há coisas que naturalmente precisam estar balanceadas. Alinhadas. Quando, por descuido ou mero acaso, destoam, geram consequências nefastas. O ideal é que haja uma relação de paridade entre ação e reação.
Certa vez conheci a história de dois jovens namorados. Amavam-se muito, segundo ambos. A garota era morena e tinha belos olhos claros, variáveis de acordo com a luminosidade do dia. O rapaz era discreto, malandro. Não era belo, mas mesmo assim, havia mil garotas a fim, diria o grande Humberto Gessinger. Constituíam aquele estereótipo perfeito de casal jovial... Eram bonitos juntos, exalavam sintonia, demonstravam sua tenaz paixão através dos quentes beijos em público (por vezes tórridos, inclusive). Complementavam um ao outro. Namoraram fielmente por mais de um ano, mas posteriormente ao período inicial de puro fascínio e ausência de defeitos, eis que uma diferença tornou-se conflitante: Ela falava demais. Expunha-se demais. Ela dizia te amo no telefone, te amo ao sair do carro e te amo ao amanhecer. Sussurrava as mesmas palavras nos momentos íntimos, e não as olvidava nos frequentes bilhetinhos provocativamente perfumados. Ele, por sua vez, meio taciturno, raramente externava suas recônditas razões. Resultado: Ela enfastiou-se dessa rotina unilateral. De ida sem volta. Contou a uma amiga que negatividades que vão sendo postergadas, gradativamente desgastam. A amiga considerou este um motivo besta, insuficiente para pôr fim em algo tão bonito. Mas, infelizmente para ele, não foi.
Outro exemplo, drasticamente diferente do primeiro, é a carga tributária brasileira. A mais altiva do planeta. Pagamos impostos exuberantes e o retorno... bem, o retorno é insignificante, ínfimo. Tão irrisório que gera revolta naqueles que pensam sobre a pauta. O justo seria nós, brasileiros, termos as melhores escolas, o mais eficaz sistema de segurança e o melhor sistema de saúde pública. Já que tão alto pagamos, igualmente alto deveríamos receber em troca. No entanto, a prática nós sabemos como funciona...
Comumente provamos o gosto amargo de uma não retribuição. Quando não recebemos resposta àquele pedido decisivo. Quando sorrimos e vemos na outra face uma expressão gélida, ou muitas vezes, uma mera inexpressão. Quando nossos filhos cospem no prato que expugnaram a fome. Quando ajudamos alguém a se reerguer e não ouvimos o singelo obrigado. Ou quando priorizamos quem nos vê como prosaica opção.
Enfim, exemplos saltitam com uma facilidade espantosa. O que todos eles possuem em comum é a unilateralidade, que independente de sua origem - seja ela descuido, acaso, indiferença ou egoísmo -, causa efeitos danosos. Por isso, tome cuidado caso você não costuma retribuir. Não faça como o ingrato Ronaldinho Gaúcho; que não valoriza quem muito lhe deu.
Geralmente colhe maus frutos quem prefere transformar um caminho mútuo em uma via unilateral.